Embora ainda não oficialmente classificada como património de interesse nacional, público, ou municipal, nem inventariada, a obra em questão é reconhecida como parte integrante do rico património cultural português. Segundo a Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro de acordo com a sua mais recente redação), esta obra, criada por um autor português e há mais de meio século em solo nacional, merece atenção especial.

Assim, apesar de não se encontrar sujeita a qualquer classificação, o proprietário da obra estava adstrito ao cumprimento da obrigação de comunicação prévia à administração do património cultural competente, com uma antecedência mínima de 30 dias da data da exportação ou da expedição, quer temporária quer definitiva.

Tratando-se de uma expedição definitiva, porquanto se trata de uma venda destinada a um Estado-Membro da União Europeia, o proprietário, através dos seus representantes, procedeu à comunicação da saída da obra à extinta Direção-Geral do Património Cultural. No entanto, a ausência de um processo de classificação como bem de interesse nacional, sem justificação aparente, intriga os conhecedores e entusiastas da arte.

A classificação como interesse nacional acarretaria uma série de direitos e deveres para o proprietário, nomeadamente:

  • Direito à indemnização
  • Direito a incentivos fiscais
  • Direito a medidas de proteção e valorização
  • Deveres de comunicação relativamente a situações de perigo, mudança de lugar, sucessão hereditária
  • Dever de conservação
  • Dever de comunicação prévia relativamente a intervenções na obra.

A falta de transparência em torno da decisão da DGPC e o possível desrespeito aos pareceres consultivos obrigatórios aumentam ainda mais o mistério.

Perante a referida comunicação prévia, a DPGC dispunha do prazo de 15 dias para autorizar ou vedar a liminarmente a expedição a título de medida provisória, sendo que a ausência de resposta por parte da referida entidade determinaria a licitude da referida venda.

A medida provisória a aplicar revestiria carácter urgente, a sua aplicação não dependeria da audiência prévia do interessado e iria conferir à entidade competente a possibilidade de melhor aferir o interesse cultural dos bens, através de abertura de procedimento de classificação.

Apesar do desfecho do processo de autorização quanto a esta obra, não são conhecidos os motivos pelos quais a DGPC não iniciou o processo de classificação para efeitos da classificação como bem de “interesse nacional”, à semelhança do que a mesma entidade propôs em 2022 quanto a uma outra obra do mesmo conjunto da autoria de Domingos Sequeira (a “Adoração dos Magos”). Enquanto se aguarda por esclarecimentos adicionais do governo português e pelo resultado das negociações com vista à eventual aquisição da obra, o destino da ‘Descida da Cruz’ permanece envolto em fascinante suspense, alimentando o debate sobre o equilíbrio entre a preservação do património cultural e os interesses comerciais.

Departamento de Private Wealth

João Valadas Coriel | António Vieira