17/10/2025
Num mundo cada vez mais digital, partilhar momentos em família tornou-se hábito comum — especialmente nas redes sociais. Fotografias das primeiras palavras, vídeos de aniversários ou simples momentos do quotidiano parental enchem frequentemente os feeds de plataformas como o Instagram e o Facebook.
Esta prática, conhecida como sharenting — a junção de sharing (partilhar) e parenting (parentalidade) — levanta, porém, questões legais e éticas relevantes, sobretudo quanto à proteção dos direitos de personalidade das crianças.
Direitos de personalidade: não são dos pais, nem estão à sua disposição
Nos termos da lei portuguesa, todos os indivíduos gozam do direito à reserva da vida privada e à proteção da imagem. No caso das crianças, estes direitos assumem especial sensibilidade, dada a sua vulnerabilidade e a prioridade legal que lhes é reconhecida.
Ainda que os titulares das responsabilidades parentais tenham um papel essencial na proteção dos filhos, os direitos de personalidade não podem ser livremente dispostos por terceiros — nem mesmo pelos pais. A sua tutela é orientada pelo princípio do superior interesse da criança, previsto no artigo 1878.º do Código Civil.
Sharenting e conflitos parentais
Em contextos de separação ou divórcio, a partilha de conteúdos sobre os filhos pode gerar desacordos entre progenitores. A publicação unilateral de imagens, sobretudo quando contraria a vontade do outro, pode constituir uma violação ao exercício conjunto das responsabilidades parentais.
Tem-se verificado um aumento de decisões judiciais que impõem restrições ou proibições à divulgação de conteúdos envolvendo menores, considerando que tais práticas atentam contra o direito à imagem, à privacidade e ao bem-estar emocional das crianças. Também a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) tem alertado para os riscos da exposição digital, que pode facilitar situações de cyberbullying ou o uso indevido de imagens por terceiros.
Quando o sharenting se aproxima do trabalho infantil
Em alguns casos, o sharenting ultrapassa o simples registo afetivo, aproximando-se de uma forma de exploração comercial da imagem infantil. Isto acontece quando os filhos aparecem regularmente em conteúdos com fins promocionais, publicitários ou geradores de receita.
Tais práticas podem implicar a aplicação de normas sobre:
- A proibição de trabalho de menores sem autorização da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT);
- A indisponibilidade dos direitos de personalidade para fins lucrativos;
- O princípio do superior interesse da criança, que deve prevalecer sobre qualquer vantagem económica.
Nestes casos, podem estar em causa não só responsabilidades civis dos progenitores, mas também a intervenção das autoridades competentes, sempre que haja indícios de exposição excessiva ou instrumentalização da criança.
Proteger antes de partilhar
Partilhar momentos familiares é uma forma legítima de guardar memórias — mas, quando envolve menores, exige ponderação.
A parentalidade digital requer equilíbrio entre o desejo de partilhar e o dever de proteger. Procurar aconselhamento jurídico pode ajudar a esclarecer dúvidas e prevenir riscos, especialmente em situações de conflito parental.
Proteger os direitos das crianças é, também, usar as redes sociais com consciência — garantindo que a sua imagem e privacidade são sempre respeitadas.