Desde a sua criação em 1988 que o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) consagrou um regime para os trabalhadores independentes de natureza forfetária permitindo a estes dispensar contabilidade organizada e coleccionar facturas de despesas. O actual regime de dedução automática de despesas presumidas, vulgarmente conhecido como regime simplificado foi introduzido pelo Ministro Dr. Pina Moura no ano já distante de 2001. Ainda antes do IRS, no antigo Imposto profissional, vigorava um regime com efeitos semelhantes. Podemos, portanto, afirmar que o regime simplificado de tributação em IRS dos trabalhadores a recibos verdes constitui um elemento estrutural de longuíssima data do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares desde sempre. Ocorre desde logo criticar o facto de se pretender alterar radicalmente a estrutura do IRS numa Lei do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) perpetuando um vício de usar leis orçamentais para realizar reformas fiscais de fundo as quais deveriam ser introduzidas apenas em leis próprias após cuidadosa ponderação e discussão pública alargada.

A distorção causada pelo fim do regime simplificado de tributação em IRS, contrariamente ao afirmado pelo Governo afectará uma larga franja da classe média de Portugal já que atingirá rendimentos a partir de € 16.416 por ano ou seja, de € 1.368 por mês. Em certos casos, tal poderá implicar um agravamento fiscal da ordem de 22% a 25% do imposto a pagar. Dirá o Governo que só agravará o IRS para os trabalhadores independentes ricos e que estes poderão apresentar facturas. Mas no universo dos trabalhadores independentes contam-se muitos que trabalham apenas para uma única empresa que lhes proporciona os meios de trabalho em condições similares aos trabalhadores por conta de outrem, ao passo que outros terão despesas profissionais pouco significativas. Para este universo de contribuintes que estamos acreditamos ser a esmagadora maioria o agravamento brutal da tributação será uma realidade. Este brutal aumento da carga fiscal não poderá, obviamente, ser resolvido com a dedução de contas de supermercado, contrariamente ao que afirmou o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que também se referiu a despesas como a compra de luxuosos fatos italianos, de novo sugerindo que os trabalhadores independentes são todos ricos. Ora, estas são despesas que a Administração Tributária considera despesas pessoais que, aliás, já podem ser deduzidas à colecta do IRS em sede própria e que nunca seriam aceites como deduções específicas na categoria B do IRS como despesas profissionais. É caso para dizer que seria pior a emenda do que o (pobre) soneto. A necessidade que estes contribuintes passariam a ter de criar despesas e de demonstrar que as mesmas estariam de algum modo relacionadas com a sua actividade profissional seria uma constante fonte de incerteza e de potenciais litígios com a Administração Tributária, justamente o que o regime simplificado de tributação em IRS vigente desde o início deste imposto sempre pretendeu evitar.

Também não colhem os argumentos a favor do fim do regime simplificado de tributação em IRS para os trabalhadores a recibos verdes invocados pelo Senhor Ministro das Finanças na apresentação das linhas gerais do OE 2018 à Assembleia da República. Alega o Governo que esta medida teria como finalidade alargar a base das facturas a introduzir no sistema informático, as já famosas e-facturas para melhor controlo fiscal e ainda que se visaria um melhor equilíbrio global do sistema. Ora, os contribuintes mesmo a recibos verdes, no âmbito das suas despesas pessoais já deduzem a maior parte das mesmas recorrendo às e-facturas como deduções à colecta do IRS. O argumento do equilíbrio global do sistema, devemos confessar, afigurou-se-nos algo confuso. Parece que o fim do regime simplificado deveria contribuir para combater os denominados “falsos recibos verdes”, ou seja, o fenómeno de contratação de trabalhadores na verdade por conta de outrem a recibos verdes. Se o Senhor Ministro das Finanças se referia a isto, há que sublinhar que existem ao dispor do Governo meios legais muito mais eficazes para um tal propósito. Caso o Senhor Ministro das Finanças tenha pretendido dizer que o fim do regime simplificado irá aproximar a tributação dos trabalhadores a recibos verdes da tributação dos trabalhadores por conta de outrem, os estudos preliminares de diversos especialistas indicam exactamente o contrário: com esta medida os trabalhadores a recibos verdes irão pagar mais IRS do que os trabalhadores por conta de outrem e com muito mais insegurança jurídica já que terão de passar a coleccionar facturas sem qualquer garantia à partida de que as despesas que passarão a deduzir serão aceites como despesas profissionais.

Em contrapartida, medidas positivas para os trabalhadores independentes há muito prometidas como a redução da excessiva taxa de retenção na fonte de 25% do IRS no mínimo para 21,5% ou a resolução do velho problema das contribuições para a Segurança Social continuam por adoptar, apesar de se encontrar prevista a solução desta última questão pelo actual Governo que, porém, ainda não deu qualquer passo nesse sentido. De positivo para os trabalhadores a recibos verdes temos apenas a extensão a estes da impenhorabilidade dos seus rendimentos, tal como sempre existiu para os rendimentos do trabalho dependente, até a um máximo de dois terços do rendimento com um tecto máximo que terá de deixar ao trabalhador pelo menos o equivalente a três salários mínimos nacionais.

O Governo poderá não ter como prioridade o desagravamento da carga fiscal sobre as classes médias. A nosso ver, deveria tê-lo, já que foram as mais sacrificadas com o período de ajustamento financeiro brutal que o País teve de sofrer há dois anos atrás durante quatro dolorosos anos. Mas ao menos deveria não agravar e sobretudo desta forma abrupta e violenta a tributação sobre as classes médias já que estas são o esteio de qualquer economia dinâmica numa sociedade livre e democrática.

Paulino Brilhante Santos

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