Os pactos de não concorrência, com efeitos após a cessação do contrato de trabalho, representam um mecanismo muito relevante para as empresas, com vista a salvaguardar as suas vantagens competitivas e, em muitos casos, os elevados investimentos em formação específica proporcionada a trabalhadores, e de que poderão vir a beneficiar os seus concorrentes no caso daqueles para ali se transferirem.

Ciente desta realidade, o legislador laboral admite (ainda que com restrições) a celebração de pactos de não concorrência com efeitos após a cessação do contrato de trabalho, desde que preenchidas as seguintes condições:

  • Tal pacto conste de acordo escrito (que não tem de ser o contrato de trabalho);
  • Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador (exige-se aqui aquilo que comummente se designa como uma “concorrência diferencial);
  • Seja atribuída ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação;
  • O período de limitação não ultrapasse os 2 anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho (que pode ser alargado até 3 anos no caso de trabalhadores que se encontrem afectos ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência).

Na configuração do regime encontra-se a procura de um equilíbrio entre, por um lado, o direito constitucionalmente protegido dos trabalhadores à liberdade de escolha de profissão e género de trabalho – no qual se inclui a liberdade de desvinculação de um vínculo laboral para, por exemplo, celebrar outro com diferente empregador – e, por outro, os acima apontados interesses empresariais.

Deverá levar-se em linha de conta que a limitação à liberdade de trabalho, resultante da celebração de um pacto de não concorrência com efeitos após a cessação do contrato de trabalho, verifica-se não apenas após tal evento, mas também durante a própria execução do contrato, pois o trabalhador sabe que, pretendendo mudar de empregador, se encontra limitado no tipo de trabalho que irá poder desenvolver a seguir.

E, é neste contexto que se tem levantado a questão de saber se aquando da cessação do contrato de trabalho (ou em momento anterior), o empregador pode prescindir do pacto de não concorrência, por exemplo, por considerar que naquele momento o risco real de concorrência já não se verifica, evitando assim a necessidade de pagar ao trabalhador a compensação devida pelo pacto de não concorrência.

Pese embora alguma discussão doutrinária em torno desta questão, a jurisprudência nacional tem vindo a sedimentar o entendimento de que tal não é possível. A este propósito, veja-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/12/2023, em cujo sumário se lê:

«3. É nulo, por ofensa a disposição imperativa da lei, o mecanismo contratual pelo qual a empregadora pode renunciar unilateralmente ao pacto de não concorrência, até 15 dias após a cessação do contrato de trabalho, e assim se eximir ao pagamento daquela compensação.»

Este corresponde ao entendimento maioritário da jurisprudência nacional[1] e com o qual, da forma como os pactos de não concorrência tipicamente são redigidos, tendemos a concordar.

Afigura-se-nos, porém, que a solução para esta questão poderá não ser tão linear como a que resulta da citada jurisprudência (acompanhada pela esmagadora maioria da doutrina), devendo levar-se em linha de conta que estamos perante um contrato de execução continuada, em que a própria evolução da carreira profissional do trabalhador no seio da empresa pode levar a que em determinados momentos se encontre, efectivamente, a exercer actividade num sector ou área que seja crítico em termos de concorrência e, posteriormente (por exemplo, no momento em que o contrato venha a cessar) já aí não se encontre, sendo totalmente inconsequente o enforcement do pacto. É, no entanto, incontornável que pelo menos durante parte da execução do contrato de trabalho, a liberdade de desvinculação do trabalhador se encontrou limitada, e que essa limitação terá de ser compensada. E, é neste contexto, que se nos afigura que poderão ser encontrados mecanismos de equilíbrio entre os interesses da empresa e do trabalhador, e que respeitem o carácter oneroso e bilateral do pacto, que podem passar pela introdução de (i) limites temporais, (ii) de estabelecimento de nexos de causalidade fortes entre o exercício de funções específicas e o risco de concorrência e (iii), de não menor importância, de momento e forma do pagamento da compensação ao trabalhador, que permitam ao empregador assegurar algum nível de controle sobre a aplicação efectiva do pacto de não concorrência e, sobretudo, que apenas nos casos em que efectivamente o trabalhador se encontre numa posição de com ele concorrer – e desde que dentro de parâmetros de boa-fé, evidentemente – tal pacto é aplicado.

Departamento de Laboral

Hugo Martins Braz | Tiago Lopes Fernandez


[1] Vejam-se, a título exemplificativo, para além do citado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/09/2023, em que o Tribunal se pronunciou sobre uma interessante cláusula que previa uma condição suspensiva ao pacto, fazendo depender a sua aplicação de uma avaliação pelo empregador no momento da cessação do contrato de trabalho, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2014, em que foi Relator o Conselheiro Mário Belo Morgado, todos disponíveis in www.dgsi.pt.